É Ferro na Boneca!

por Ŧяєdy Gσmєs

Sexta, fui belíssima pra Jundiaí com Dhézona Carcutá ver uma caminhoneira. O que eu não faço pra dar um crose ...

Acordei e saí de casa tão atrasada e nem deu pra ficar 3 h escolhendo qual modelito Daslú eu usaria. 5h da manhã, fiquei 1 h em pétalas de rosas na minha banheira tomando banho e tomei meu café de cereais, frutas, chá e iogurte Activia. Tomando café e assistindo "Mais Você". Daqui a pouco olhei no meu relógio Roléx e vi que já eram 10h30. Catei a primeira bolsa Louis Vuitton que vi na frente. Cheguei na quebrada que a Dhé mora e comecei a bater palma na frente do barracão. Tinha chovido e tava aquela barreira do inferno. Coitado do meu salto Fernando Pires! As pessoas pobres me olhando com aqueles olhares bovinos (querendo me comer) e eu só jogando meu cabelo pro lado. 30 min gastando minhas lindas mãozinhas, a vaca tira a corrente e abre a porta. Sai com aquele cabelo todo armado, o zóio cheio de remela e aquelas roupas bem de pobre mesmo: camiseta de propaganda (Assolan), meia furada com chinela e calça de moletom manchada de Cândida.

Dhé: Bom dia, bee!
Eu: Pra mim uma hora dessas já é boa tarde!

Mais 20 min esperando a bee tomar aquele café de pobre (pão com manteiga e café preto requentado). Coloca o seu chapéu e uma de suas roupas cafonas e começa a falar as fofocas da vila. Eu, sou obrigada com aquele sol saindo ouvindo aquelas coisinhas mortais de que o vagabundo engravidou mais uma, do filho que fica com a aposentadoria do pai e da mulher que traiu o marido que o dono da vendinha da esquina. Meus ouvidos pareciam a zabumba depois dakela maloqueirada tocar a noite toda. Quando nada parecia estar pior, eu lembrei de um detalhe: íamos de trem! Eu passando com meu casaco de pele importado por aquela catraca imunda e descascada de tinta. Me senti uma presa na mesma hora. Uma vontade de vomitar naquela estação, mas respirei fundo e senti o cheiro do mato mijado que tem ao lado.

Quando entrei no trem e coloquei minha toalhinha pra sentar naquele banco de plástico encardido, veio uma fubanga empregada doméstica olhar pro meu rosto recem modelado na clínica Santé e perguntar se meu cabelo era natural. Ah, não! Mexeu com meu cabelo, invocou minha Pomba Gira. Joguei meu casaco de pele na carcaça da Dhé: "Isso aki é um cabelo naturalmente alisado!" Rebolei, sentei e cruzei as pernas. Ah, que desgosto morar nesses bairros pobres. Coitada da Dhé. Onde eu moro eu só vejo mansões com piscinas, ruas limpas e vazias. Não é que nem periferia que ficam aquelas crianças com hérnia, sem camisa e descalça jogando bola pra um lado e pro outro. Pensei em desmaiar, mas lembrei que meu boy não estava ao meu lado pra me segurar e eu iria cair naquele imundo chão cheio de pipoca e bitucas de cigarro.

No caminho peguei a revista Caras pra dar uma olhada em quantas páginas eu estava com as mais ilustres celebridades. Esse é o meu mundo e não esse de requenguelos. Chega a estação final e aquela muvuca toda pra sair do trem. O povo pisando com aqueles sapatos de camursa sobre meu salto. Me contive pra não fazer um escândalo. Afinal, não é todos os dias que uma beldade leva uma velhinha pra passear ...

Olhei de um lado para outro na saída da estação e não vi nenhum carro de família para buscar a gente. "Olha! O ponto de ônibus é ali ..." Eu, FI-NA!, entrando em um ônibus e passando por mais uma catraca?! Era humilhação demais só por causa de uma raxa. Lá vou eu e aqueles olhares de cobiça para minhas jóias. Eu só coloco a mão sobre meu colar de cristais. E olha que eu estava com o mais simplesinho, pois eu estava saindo com uma pobretona, uma ex bilheteira (Dhé). Chegamos!

Eu: Demos voltas e voltas e estamos na rua da sua casa!
Dhé: Não! Aki é Jundiaí.

Foi aí que percebi que era outra favela. Desde pequena fui acostumada a muito luxo. E favela também é tudo igual, aquela gente com dentes podres, mulheres barrigudas pelancas e um monte de telhas de zinco sobre madeira. Abafa o caso! Tive que dar aquele sorriso falso e fingi que estava em casa. I-m-p-o-s-s-í-v-e-l-!, mas eu me superei graças à aula de interpretação que fiz no meu colégio pago na infância.

Chegamos após tantos barracos e rataiada. A porta estava aberta e a Dhé não fez nem questão de bater na madeira. Sei lá, vai ver que pode cair o barraco né? Mas entramos e logo umas pessoas com caras de vendedoras de farol vindo em nossa direção. Dhé deu um abraço nelas e eu só cumprimentei com uma abanadinha de mão após ser apresentada como "amiga". Me convidaram pra sentar mas não tinha cadeira na casa. Sentamos numa cama única de casal que tinha na casa que fedia mofo. Sorte que eu tinha um Sonrisal na bolsa porque foi o dia do enjôo. Não estava mais agüentando e sugeri que a Dhé ficasse sozinha com a garota na casa enquanto eu dava uma voltinha pela viela. A Dhé aceitou babando (ia comer a moça) e a imunda só balançou a cabeça, sacudinda toda a caspa.

O que mais me impressionou é que, apesar de ser uma barreira desgraçada e material de construção as casas, é que tinha energia elétrica e até um computador Windows 95. Deixei pra lá e fui respirar. Achei uma praça e fiquei por ali mesmo. Fiz uns telefonemas para umas amigas e um para minha psicóloga, confesso! Contei o drama que estava vivendo naquele dia e ela me deu uma solução: pediu que eu esperasse tudo se resolver e que eu procurasse um shopping mais perto e utilizasse meu cartão de crédito Amex. Não achei shopping mas a rodada valeu a pena. O ruim foi que perdi o barracão. Comecei a chorar e vi que meu dia estava arruinado. Mas antes que eu borrace a maquilagem definitiva aconteceu um milagre:


Piririm-Piririm-Piririm. Alguém ligou pra mim!

Uma ligação à cobrar ...
Eu: Fala logo que eu não pago conta pra pobre!
A voz: Bee. Ondicetá?
Eu: Dhé, vem pra pracinha mais próxima!
A voz: Tô chegando.

O único sorriso que foi sincero naquele dia foi esse. Prometi pra mim mesma que nunca mais faria isso. Parei o primeiro taquicista que encontrei e paguei uma nota pro só pra nos levarmos de volta naquele fusquinha verde. UÓ! Ainda tive que agüentar a Dhé dormindo com aquele fedô de morfo no meu ombro. Até babou em mim. Q nojo! Tudo isso por causa dessa tal de Lia ...

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